terça-feira, 4 de maio de 2010

Hungria.

Alguém sabe como se diz filho da puta em húngaro?
Desde ontem eu queria saber. Que taxista filho da puta. Nós já levávamos uma noite e quase um dia andando de taxi pra cima e pra baixo sem nenhum problema. A comunicação era praticamente nula, mas ainda assim o roubo, se havia, deveria ser dentro do honrado. Nunca nos queixamos de estar pagando tanto mais assim. Contudo, combinemos. Turista é otário e carne de malandro, né. Pois o malandro apareceu. Gordinho, por desonrar a raça. Bonachão, parecia gente boa, esses são os piores. E lá vamos por Budapest. Uma Budapest que atiçou minhas retinas, com prédios grossos, descascados. Ressecados do vento sóbrio que assopra seus rostos cheios de janelas. Por um momento me pareceu curioso que após um dia inteiro sob um tempo desconfortável, a paisagem tinha me deixado bastante impressionado apesar de tudo.

Relembrando agora, tomar banho nas termas parecia uma missão difícil, um desejo surreal, mas dentro da piscina aquela meia hora que podia ficar ali até o próximo ônibus me pareceu pouco. Seguimos o passeio e me surpreendeu ver a cidade desde o alto do monte. A cidade inteira estava ali embaixo, dois lados unidos por umas linhas. Linda, cheia de brisa, charmosa. As pontes de Recife tinham dublês. Dublês européias com clima inverso. E o frio pede um chocolate. E minha mãe grita por um. Provamos um interessante, picante. E melhor, grátis. Começava intenso e terminava com um certo ardor, amargando o hálito.

Para cumprir o itinerário, resolvemos pegar um taxi com destino ao porto, onde uma excursão marítima nos faria passear pelo Danúbio reluzindo no barco o dourado que emanava da cidade com suas luzes foscas. Justo diante de um hotel bonito encontramos o taxi. Após uma indicação no mapa, apontando sistematicamente para o nome e numero do píer ao que nos destinávamos, o filho da puta colocou em marcha o automóvel.

Eu acompanhava com o rosto as ruas deixadas pra trás. E tentava achar o taxímetro quando voltava a pôr meus pensamentos dentro do carro. Beirávamos o rio, e se de um lado eu apreciava Buda, bem silenciosa, no retorno que tivemos que fazer após acabar a pista, me deparo com Pest rindo da minha cara ao ter que começar uma contagem decrescente em buscar da nossa embarcação. Com certeza ela previa a falta de escrúpulos daquele canalha húngaro. Renegaria sua mãe pátria aquele filho bastardo? Bastardo, bastardo. Como xingamento mesmo. Palavrão. Mais um pra eu ir atrás do relativo em húngaro. Ou será que a mãe da concepção original era realmente comunista até na cama? E o pai? Obviamente, estaria se contorcendo no túmulo, caso fosse comunista, ou quem sabe com o sorriso irônico das caveiras, se dissidente. Por imitar os “democracistas”, direi que ou vice-versa. Mas isso é o máximo que me atrevo a afirmar com algo de certeza. Do resto, quem saberá?

Pois minha carteira sabe. Encontramos nosso píer e o filho da puta pára o taxi e aperta um botãozinho que completa o taxímetro por inteiro. O máximo possível que o taxímetro poderia numerar. Algo assim como um 99999. Ou um 88888, 33333, ou qualquer maldito número que fosse. O fato é que o cara estava me roubando. Na minha cara, sem discrição. E ainda por cima mascarado com aquelas bochechas rosadas petulantes. Que roubo é esse, camarada? – lhe perguntei com o olhar. A cara dele de bem-vindo ao capitalismo do meu taxi falou por si mesmo. Ao ver minha mãe somente com os olhos fora do casaco implorando solução pro impasse antes do seu congelamento, da futura Era Glacial e etc., pechinchei com o filho da puta porém não insisti. A corrida tinha saído mais cara que a de todos os outros taxis que tínhamos entrado na cidade juntos. Não posso blasfemar contra a cidade pelo descuido de um dos seus cidadãos. Como brasileiro, não posso, não devo, nem o farei. Desse episódio, a cidade está isenta. Foi a mais bela absolvição de uma culpada.

Revoltado, entrei no barquinho. Praticamente fretado. Só estávamos nós: meu pai, minha mãe, eu e a raiva. Era o último passeio da noite. O sistema de áudio travou e no final das contas quem nos narrou o trajeto foi o som monótono e húngaro das águas geladas que se desfaziam em espumas ao abraçar o barco em seu movimento. Essas manchas brancas traçavam imensas pausas musicais de semibreves e mínimas segundo seu ir e vir, completando com silencio a partitura de nosso intenso dia.

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